De carne moída e osso

n

Comeu a última banana, antes de colocar a roupa de palhaço e o jaleco de médico. Aquele corpo mirradinho começou o dia de trabalho com um bom ânimo que independia das adversidades de outrora. Tinha um semblante alegre, enfeitado com ruguinhas, o olhar sereno e bochechas fundas que marcavam o riso que surgia na boca abaixo do bigode escuro.

nnnn

Dr. Risoto de Carne Moída passou até gel no cabelo. Com aquele passo “peso pena”, em um desengonço meio apaixonado, começou a caminhar rumo aos dois hospitais, de nome de João (o Paulo II e o XXIII), que atendeu nesse dia. Se tinha medo? Provavelmente, sim. Mas esse homenzinho ia. Acreditava em surpresas, confiava na impermanência e vivia presentes.
Mal começou o caminho para atender o primeiro paciente e tropeçou três vezes, escorregou e derrubou a placa “piso molhado”, bateu a cabeça na pilastra, e ficou pendurado na grade.

nnnn

Depois correu para segurar o elevador, fez uma serenata, se apaixonou. Ainda salvou um passarinho filhote, abaixou o corpo em reverência a um idoso, agachou para falar com a criança. Chegando, enfim, na primeira ala do hospital, que atenderia a primeira criança, uma enfermeira olhou bem para o rosto do Dr. Risoto de Carne Moída e disse:

nnnn

– Credo! Você tá todo suado!

nnnn

Dr. Risoto com uma voz comovida que vinha de suas profundezas, respondeu: “eu sou humano! eu sou humano! eu sou humano!”.

nnnn

n