Um Dia Variadon

Aqui falo sobre a experiência que tivemos no quarto dia de projeto em Brumadinho. Naquele dia pela manhã, uma bonita roda se abriu na praça da comunidade de Aranhas. Que celebração gostosa! A “criançada”, a “mulherada”, a “homaiada”, a “cachorrada”, todo mundo apareceu para brincar com os palhaços. E foi lindo de ver os olhinhos brilhando de alegria ao lado de olhos mais maduros regados de riso e de lágrimas. Na despedida, muitos abraços apertados, palavras de agradecimento e afeto. Mas um, em especial, chamou minha atenção. Era um homem negro, poucos dentes na boca. Talvez fosse mais jovem que eu, mas aparentava ser mais velho. Mal conseguia parar em pé, tanta cachaça que já tinha tomado naquela manhã. Com dificuldade para pronunciar as palavras, me pediu chorando que o levasse de lá. Queria ir embora com o circo. Eu também sou palhaço, dizia ele, mas ninguém acredita em mim aqui nesse lugar, ninguém me leva a sério! Tentei buscar palavras para acalmá-lo, mas o que dizer? Tentei falar, mas minhas palavras soavam vazias diante de tamanha tristeza. O carro saindo, dei um abraço nele e fui embora devagar, com o coração apertado, levando comigo a frustração de não poder consertar todas as mazelas dessa vida. nÀ tarde tínhamos uma apresentação marcada em Parque das Cachoeiras, o local mais atingido pela lama. Chegamos. Cadê as crianças? Cadê as pessoas? Fomos tentar buscá-las num cortejo e chegamos em um bar onde muitas pessoas dançavam e bebiam numa necessidade crua de transformar o que estavam vivendo. Nossa presença causou bastante euforia. Fizemos um grande forró e seguimos caminho. Um caminho árduo, pois ali o ar era pesado. O metal pesava no ar. A lama metálica ali ao lado encobrindo casas, carros, árvores, animais e, ainda, pessoas. No meio da lama, traços da vida cotidiana numa imagem de morte. Um caderno rabiscado, um colchão furado, uma televisão partida, uma geladeira. Telhas quebradas, vidas destruídas. Mais adiante, encontramos as crianças do local, que estavam todas nadando em uma refrescante piscina. Concorrência desleal. Palhaços X Piscina. Adivinha quem ganhou? A piscina, claro. A meninada mal olhou para nós. Ficamos ali parados, pensando no que fazer, até que Mulambo e Provisória, se entregando à derrota , mergulharam na água. nÁgua… aquelas crianças vão precisar de muita água para se refazerem emocionalmente. Muitas ali eram órfãs. Entre mergulhos, gritos e cambalhotas, se evidenciava o desejo de regeneração. Pouco pudemos fazer, mas às vezes o pouco já é muito. Saímos de lá querendo voltar, querendo viver um novo encontro e tentamos remarcar uma apresentação no local para uns dias depois , mas ela foi desmarcada. Fiquei achando que eles ainda não estavam prontos para receber os palhaços. Quem sabe na próxima?

Diário de bordo de Luciana Viacava, a palhaça Lola Brígida, durante o #ProjetoBrumadinho, realizado pelo Palhaços Sem Fronteiras e Instituto Hahaha

Foto: Palhaços Sem Fronteiras