Carta de despedida do Dr. Risoton

Quando eu chegar na porta do quartinho do terceiro andar da Santa Casa, na pediatria, vou me lembrar de muitos outros anos de trabalho do Instituto HAHAHA. E entrando no quarto, encontrarei Dra. Suzette. Ela, muito séria e comprometida, vai deixar a chave entravar a fechadura, ou mesmo enroscar o chaveiro no próprio cabelo. Ela vai encher-se de uma elegante vontade do dia, em tom apressado, e dizer um pouco das suas confusões verbais. Algo como: “Bom dia, Dr. Risoto, ontem eu trabalhei em três turnos. Preciso me vestir rápido. Nossa, você viu a notícia daquele candidato?! Adoro dias frios, ovo frito e café! Ah, deixa pra lá. Vamos trabalhar!!!”. Mas, claro que bem na saída do quarto, já prontinhos para a labuta, Dra. Suzette irá dizer: “Nossaaaaaa, pera aí… Eu esqueci uma coisa muito muito muito importante”. E eu perguntarei “o que?” Ela responderá: “meu grampo de cabelo que suporta meu coque”. Ela voltará e apanhará o grampo no armário. Ela se arrumará e..

E daí para frente ela não andará mais. Sim! Ela não anda. Ela desfila seus trejeitos enérgicos, seus tecidos leves com bolinhas ou listas em preto e branco. Esbanja seriedade em seus movimentos abruptos, fortes e bem intencionados, sempre na direção de criar algo que nos mova até a criança. Dra. Suzette se distrairá com um escrito na parede do corredor, ou com algum sapatinho brilhante de algum bebê segurado por uma mamãe. Aí sim, achamos o fio da meada. A música menos desafinada. n

Dra. Suzette nessa hora, frente aos bebês, escreve no quadro da minha escola a receita para  falar com bebês de colo. E é um tal de “blablablá”, “paralí paracolá”, “ticapum” “ziriguidadum”, “brum, brum, brum”. E pronto: atendemos os bebês falando a língua deles pela boca de Suzi. Dos bebês passamos para as crianças maiores, mães, pais, médicos, médicas, enfermeiras, faxineiras, ascensoristas e toda comunidade hospitalar. Para cada um, Suzette tem uma dica. Seja de moda ou de medicina. Um comentário. Uma tentativa de abordagem, quase sempre muito original e simples. Como quando ela diz, olhando um criança respirando por aparelhos: “olha só! Aquele dali parece um mergulhador de snorkel!”, ou ao olhar para uma enfermeira que usa capote: “nossa, ela parece um bolo de casamento, com seu figurino algodoado e esvoaçante!”.

Assim, os dias passam. Um ano já passou e eu nem vi. Deu para aprender com Dra. Suzette que nem sempre o riso está no tropeção. A palhaça fina e elegante, que quase não chora, também ri e faz gargalhar enquanto tenta ser correta e exemplar. Muito obrigado pelos dias lado a lado, pela cumplicidade ombro a ombro. Obrigado, Santa Casa, que é feita de gente: bebês, crianças, adolescente, mães, pais, avós, médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem, dentistas, nutricionistas, psicólogos, pessoal da limpeza, da manutenção, estudantes, pessoal da cozinha, ascensoristas, porteiros, secretárias, bichos de pelúcia animados, super-heróis, todo mundo e cada um que foi nosso parceiro nesse ano! Parceiro mesmo! Foi um prazer jogar com vocês!!!!